Por que é preciso falar sobre saúde mental?

Texto de Amanda Mont’Alvão Veloso em BrasilPost 

Desde a infância, temos exames obrigatórios, campanhas de vacinação, acompanhamentos médicos regulares e outras medidas preventivas para assegurar nossa saúde.

O site do HuffPost Brasil pediu a 13 profissionais depoimentos sobre como a saúde mental é decisiva em nossa rotina – e merece cuidado, portanto.

Veja a seguir:

“Somos todos suscetíveis a vivenciar a loucura, a angústia, a passar por uma crise emocional. Acredito ser próprio do ser humano. É muito importante que nossas sociedades tragam respostas ao sofrimento psíquico. Seja nas nossas questões mais banais do dia a dia, seja nas questões mais profundas e complexas, a nossa saúde mental é relevante nas decisões e nas relações que tecemos na vida.”
Fernanda Fontes Vareille, diretora do documentário A Loucura entre Nós

“O que significa ter saúde mental? Não ter sofrimentos, não ter conflitos? Bom, então somente os que estão sete palmos abaixo da terra são os únicos com verdadeira saúde mental. Portanto, na minha leitura, saúde mental não é ausência nem de sofrimentos nem de conflitos. Eles fazem parte da vida humana, do aparelho psíquico. Neste mundo de imperativos categóricos de felicidade, todo e qualquer conflito ou frustração pode ser tido como algo que ou deve ser ocultado, rejeitado, disfarçado ou… interpretado como doença mental.”
Claudio Cesar Montoto, psicanalista e professor da Especialização em Semiótica Psicanalítica, da PUC/SP

“A boa saúde mental é essencial para que as pessoas sejam saudáveis e consigam enfrentar as adversidades da vida de forma estável e equilibrada, ultrapassando os obstáculos que nos são apresentados a todo momento, nos diversos contextos que permeiam o nosso cotidiano: nos relacionamentos pessoais e familiares, conjugais ou não; no ambiente de trabalho, não só em relação aos colegas, mas às realizações profissionais; nos aspectos sociais como um todo, influenciando a nossa forma de ver o mundo e de lidar com o próximo.”
Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

“A saúde mental é decisiva sempre que vemos um sem-teto gritando na rua ou ficamos sabemos que alguém com uma doença mental não tratada matou alguém ou foi morto por outra pessoa – nos EUA, geralmente por um policial despreparado. Sua importância fica clara para uma família quando uma pessoa amada não consegue mais ser funcional. É decisiva quando a pessoa deixa de se importar. É muito mais humano e barato quando a sociedade oferece tratamento adequado para doenças mentais do que quando a negligencia.”
Allen Frances, psiquiatra americano, autor de Voltando ao Normal (Versal, 2016) e líder da redação do DSM-4

“A saúde mental é crucial nos momentos em que nos encontramos fragilizados por algo que estejamos vivendo em determinados momentos de nossas vidas. Passar por dificuldades e momentos difíceis pode acontecer com qualquer um de nós e, para que possamos suportar isso, é necessário que estejamos atentos à nossa saúde mental, coisa que normalmente temos dificuldade em fazer por considerar isso uma demonstração de fraqueza, estigmatizada pela sociedade.”
Carlos Correia, voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV)

“A saúde mental não se refere apenas aos que estão com problemas mais sérios , mas a toda nossa condição de sobrevivência, de estar no mundo, de convívio com os outros. Nossas relações afetivas, profissionais e familiares se constroem a partir de nossa relação com nossa própria saúde mental e a dos que nos cercam.”
Lulli e Julia Milman, psicólogas e autoras do livro A Vida com Crianças (Zahar, 2016)

“A política de saúde mental passa por uma grave crise no País. Se por um lado nos tornamos uma nação de drogados funcionais com o uso indiscriminado de Ritalina em adultos e crianças (para a alegria da indústria farmacêutica), por outro ainda somos o país dos manicômios murados. Ambos os problemas são fruto da falta de informação e da dificuldade de conviver com o que é diferente, fora do padrão. Uma sociedade que preza pela padronização dos sentimentos e que tem uma visão equivocada sobre a tal da normalidade.”
André Dahmer, quadrinista e autor da tirinha Malvados

“Do ponto de vista psicanalítico, saúde mental é a capacidade de suportar as tensões comuns do dia a dia sem ‘espanar’. Tudo, na vida, é fonte de tensão: ir a uma festa, ficar doente, se relacionar com pessoas, estudar, trabalhar, receber amigos em casa, fazer sexo. Se tudo é fonte de tensão, e se saúde mental é a capacidade de continuar ‘segurando a barra’ apesar delas, a saúde mental é decisiva o tempo todo, assim como os batimentos cardíacos.”
Marion Minerbo, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de Diálogos sobre a Clínica Psicanalítica(Blucher, 2016)

“A todo momento estamos em contato com problemas de saúde mental. Depressão e ansiedade acometerão 20% da população em algum momento da vida. A violência é decorrente de pouca saúde mental e desencadeia, em pessoas vulneráveis, transtornos mentais. O álcool é um problema seríssimo, destrói vidas. Basta andar pelo centro de São Paulo e veremos a consequência do uso de drogas. Nas unidades básicas de saúde, enfermarias clínicas e asilos de idosos, encontramos muitas pessoas sofrendo e incapacitadas por transtornos mentais. Faltam ambulatórios, leitos hospitalares e pessoal especializado para cuidar de todos.”
Francisco Lotufo Neto, professor do Departamento de Psiquiatria da USP e médico do Instituto de Psiquiatria da USP

“A saúde mental é uma construção coletiva, feita de intervenções e procedimentos, mas também de atenção e cuidado. Cuidar das pessoas que cuidam da saúde mental, seja na formação, seja na sustentação de suas condições de trabalho, é um desafio crucial se queremos realmente tratar o que pode ser tratado, mitigar o sofrimento que pode ser tratado e, sobretudo, não tentarmos curar o que não pode ser curado.”
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP

“O que traz a efetividade de uma lei é a política pública. Por isso é tão importante pensarmos a gestão pública. É nas mãos dos gestores dos Executivos municipal, estadual e federal que a lei ganha vida. Temos uma bela lei [da reforma psiquiátrica, que define a extinção de manicômios e hospícios], mas sem investimento público, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) específicos, capacitação e remuneração adequada, para onde vão recorrer as pessoas que precisem de tratamento? A doença mental é muito discriminada e precisamos desconstruir os estigmas em cima da pessoa. Algumas famílias, por exemplo, têm vergonha, e acham que a pessoa é ‘muito nervosa’ ou tem um problema espiritual. É preciso desconstruir o preconceito – a doença mental atinge ricos e pobres.” 
Tânia Dahmer Pereira, doutora em Serviço Social, especialista em saúde mental no sistema de Justiça criminal e assistente social do Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro

“O bem-estar individual repercute diretamente no bem-estar da coletividade e no progresso das nações. Só haverá desenvolvimento socioeconômico sustentável se houver investimento na saúde cognitiva das pessoas. Ser portador de um transtorno mental interfere crucialmente na adaptação e rendimento do indivíduo frente ao mundo complexo e desafiador que o rodeia. Estigmatizar a saúde mental e relegá-la a um plano secundário é desconsiderar as potencialidades vastas de superação, plasticidade, transcendência e criatividade da mente humana. Esses atributos nos permitiram inúmeras conquistas ao longo da evolução da espécie.”
Rodrigo Fonseca Martins Leite, psiquiatra, psicoterapeuta e diretor dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria da USP (IPQ)

 
“O inconsciente é o trabalhador mais workaholic que há. Dormindo ou acordados, felizes ou tristes, o inconsciente não descansa por nenhum segundo. Na maior parte do tempo, estamos preocupados apenas com nosso ego, rejeitando o funcionamento do inconsciente. Mas Freud disse que o ego é uma estrutura de fachada. Ou seja, é algo frágil, fácil de ser abalado. Assim, nosso inconsciente não para de nos mandar notícias: pelos sintomas, sonhos, atos falhos, chistes… Penso que é em momentos de intenso sofrimento, quando não conseguimos mais ignorá-lo, que se reconhece a importância fundamental do inconsciente, da subjetividade.”
Ana Suy, psicanalista, escritora e mestre em Psicologia

Fonte: Brasilpost

Imagem: Pinterest